// Costura-te
- Karina Copetti

- 6 de ago.
- 2 min de leitura
Por coincidência ou não, aquela mulher sentou na minha frente. Tinha apenas quatro letras escritas no crachá, mas eu sabia o peso que tinham, aquele Y, eu sabia de onde vinha. Eu estava pronta para costurar. Peguei restos de fio velho que tinha em casa. No meio do processo foram insuficientes, tive que comprar novelos novos. A manta de retalhos ficou torta. Desmanchei e costurei tudo de novo. Ficou torto de novo, e dessa vez pra dentro. Já está acontecendo, lento, fio a fio, a costura na imperfeição do caos. A caverna, outrora de pedras e musgos, receberia então a manta. Eu tenho certeza que esse caos está certo: a caixa de compras do mercado que não consegui guardar, o mecânico, o pronome Ela, a Mulher. As prateleiras novas que vou precisar pendurar para abrir espaço. Enquanto pensava nas mobílias da casa, recapitulei as outras 13 casas. Foi ali que lembrei da caixinha. Percebi que se move sozinha, na força do Tempo. Quando ninguém está vendo eu corro até a floresta, reviro as folhas, levanto a terra, me certifico que a caixinha ainda está lá. Às vezes abro, às vezes não. Preciso só saber que ela está lá, é minha. Uma travessura que faço sozinha e que farei por quanto tempo minha dor ainda se fizer necessária. Já não a guardo em casa, mas onde eu a guardo, é meu segredo. Eu sei que existem outras pessoas que guardam outras caixinhas e saber disso, eu chamaria de alento. E vamos costurando: as tainhas, as unhas pintadas, a missa para Madonna, o bolo de aipim. O vento na beira da praia enquanto eu olhava para ela e pensava que se eu me perdesse, se em algum momento eu me perder, ela vai me contar. Vai me lembrar do salto da baleia que vimos na semana passada e das seis letras do meu nome. Isso, eu também chamaria de alento. E vamos costurando. Por trás daquele crachá, olhos marejados que se diziam na busca por pertencimento. Eu estava olhando pelo buraco de um espelho, lembrando da roda e de tantos outros olhos marejados. Se hoje colocássemos crachás, teriam outros nomes, descobriríamos outras pessoas. Ao relembrar como era chorar assim, eu também ria. Esse é aquele milagre que um dia escrevi no espelho pedindo que acontecesse. Às vezes a gente não vê quando acontece, vai perceber no reflexo, chamado Agora. A cartola preta do mágico puxa pontas coloridas sem parar, instaurando esse caos de retalhos na minha barriga. Foi aqui que me dei conta do tamanho e da profundidade desse mágico objeto. O contra-vortex é imenso. Sustenta. Dentro do trauma tem morte. E não é possível falar de morte sem falar de Vida. Esse é o nome do palhaço e da cartola. Voltei a todas as casas buscar os tecidos para inaugurar a placa: Agora.



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