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// Pelo Amor: Salvar-se.

  • Foto do escritor: Karina Copetti
    Karina Copetti
  • 23 de ago. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 28 de mai.

Adentrou a escuridão da mata um bicho ainda não catalogado. A escorrer saliva por entre os caninos, quatro patas no chão, a urrar. Dizem que na língua dos homens esbravejava contra todos os Deuses. Enquanto farejava e engolia punhados de terra, derramava seu sangue e quebrava os últimos feitiços lançados sobre seu corpo quando ainda em forma de mulher. A loucura do selvagem é sã como pedra preciosa alquimizada em útero. Feito união entre terra e céu, a Árvore atravessava célula por célula e o Corpo ardia ao remembrar-se na mata.


___

Sentei para tomar um café, coisa que não costumo fazer sozinha. Bolar um tabaco. Sobrepor fumaça branca na tristeza que me enche os pulmões. Vou chamar de meditação. E depois renomear o ato: o arrastar da caneta. Pensando nas chuvas e no óculos novo que fiz enquanto ainda fazia sol. A água inunda o Sul e inunda o corpo de angústia. Angústia não. Angústia é substantivo de futuro. E o mundo, para nós, já começamos a acabar. Concretam-se os rios e erguem-se os muros. A tragédia não é climática, é humana. Mastigar para digerir. Os gostos pungentes e insistentes. O óculos. A cidade. Os potes etiquetados da cozinha. As paredes úmidas escorrendo água. As sete noites que não durmo e, ainda assim, sou salva. ___


Na primeira noite, quem a salvou foi um camundongo. Contrapondo a pulsão de morte, o pequeno mamífero posto firme em duas patas, mostrava os dentes e lutava. Podia-se escutar as ganas de quem não estava disposto a sucumbir. Na segunda noite, foi o vínculo. O afeto é o gelo que canta Itamar. Junta os paradoxos, duas pedras no mesmo copo. Na terceira noite, foram os fungos. A estonteante beleza da casca de um limão, que visto do avesso, são veios de vida. E a vida do avesso é brilho de pólen que toca o escuro do ar. Na quarta noite, foi a música. É preciso escutar a genialidade da oração de Gil, que passa purpurina no corpo para brincar no fundo do fundo. Humilde, o poeta ri e nos coloca bóias de braçinho. Na quinta noite, foram os corpos e suas danças. Na sexta noite, quem a salvou foram os milhões de néfrons a aumentar a taxa de filtragem glomerular. O Corpo sempre encontra as Frestas. Na sétima noite, estava disposta a morrer. Adentrou a escuridão da mata decidida a fazer as pazes com os Deuses. Sentir compaixão pelo amor.

O amor pelo Amor. Salvar-se.


Acordei com o som de uma folha caindo.


Já era dia. E tinha cheiro de café.


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