// Coisa solitária.
- Karina Copetti

- 17 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de out.
Essa semana fui pega de surpresa por um dia de sol. No caos, na imperfeição, em um sentimento de difícil manejo chamado Tristeza. Coisa esquisita que a alegria instagramável capitalista nos conta não? “Quase” nos faz acreditar. Preciso me recordar, muitas e muitas vezes: ficar triste não é o mesmo que fracassar. Como eu mesma escrevi há uns bons textos atrás - “Tem coisas que só o chão resolve. Deitar no chão.”
No equilibrar dos tantos que me habitam, às vezes me esqueço da importância de desabar. Diferente de sucumbir: desabar em observação de mim mesma e poder sentir que o chão me sustenta, respirar no colo da Terra e ali só existir - nada mais do que existir - como um bom agrupamento de bactérias em perfeito estado de fermentação e decomposição.
Então acontece que lido melhor com a tristeza quando os dias estão nublados. Como se eu recebesse uma permissão do mundo para adentrar a mim mesma, sem que minha tristeza perturbe a alegria da produtividade capitalista de sermos nossas melhores versões. Sem me auto exigir a externalização dos atarefados, alegres e muito apressados dias ensolarados. Sem ter que ouvir um audiobook enquanto lavo a louça porque nosso senso de suficiência tem sido posto à prova todos dias.
Os dias nublados tem segundos que passam mais devagar. E é nesse Lento Tempo que a tristeza encontra um colo. Escrever letra por letra. Ficar seja lá, que lento tempo que for, olhando para um ponto na pintura suja da parede. Aceitar a parede suja. E aceitar o Luto. É aqui que o texto começa - e vou dedicá-lo ao lutos de nós mesmas.
Coisa solitária. Na mais primária de minhas linguagens é assim que definiria um Luto: coisa solitária. Vamos nos construindo para ter capacidade de lidar com suas fragmentações. E por mais amparadas que estejamos, de colos e olhares e afetos, nas fragmentações do luto estaremos sozinhas. E permaneceremos sozinhas durante a maior parte de seu invisível processo. Processo que nos desafia pois pede Tempo, Gentileza e Paciência. Aqui nos chocamos de frente com a produtividade da nossa melhor versão e recomendo que possamos escrever no espelho do banheiro: Autocompaixão. Se precisar mais de uma: Auto perdão. E você tem o direito de escrever quantas palavras precisar.
Sempre que perdemos algo ou alguém, seja com a morte física, seja com o fim de uma relação, de uma história, de um momento, de um sonho - também perdemos uma parte de nós mesmas. Nesse luto, estaremos sozinhas. É um sussurro esquisito dentro do peito, uma coisa invisível que aperta, uma busca sem sucesso pelo fragmento de nós que perdemos junto com a perda deste algo. A vontade de que tudo voltasse a ser “como era antes”. E como era? Ao parar para sentir a resposta, muitas vezes, tudo se dissolve.
Vai ser preciso farejar. Buscar pelo cheiro dos nossos próprios cabelos que magicamente seguem crescendo. Eu vou pra Terra. Na matéria prima do meu sentir. Barriga na Terra, ouvido na Terra, pés descalços na Terra. Vou cavar espaço em mim mesma para que seja possível recepcionar a - (essa lacuna não é fixa e também não é linear, então deixo só o (parênteses) para que possamos nos lembrar da impermanência de tudo que sentimos).
Guardado dentro um fragmento meu que encontrei por aí: espaços de auto observação. O encontro de auto observação é um encontro de autonomia. Auto observar e “estar com”. Cavar espaço. O que queremos não é nos livrarmos da tristeza, é corpo-continente para poder recepcioná-la em segurança.
Na amplidão do vazio do luto, o que mais te habita? Acostumada com as respostas e o movimento (quiçá dissociativo) incessante, depois da negação, brinco com a pausa e as perguntas.
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Na minha caixa de ferramentas de cavar espaço estão minhas práticas de Herbalismo, banhos de assento com plantas, mechas de incenso, óleos macerados. Meu gato, o chimarrão, manter meu corpo aquecido, silêncio, velas, fazer pão.
Tem dias que nada disso funciona? Tem. Tem dias que só o chão resolve.





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