Corpo e Autenticidade na Experiência Somática
- Karina Copetti

- 21 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de mai.
A compreensão profunda de nossa relação com o corpo, a mente e a natureza é essencial para o entendimento do processo de transformação dos traumas.
_ O Corpo
Sajah Popham reflete isto seu livro Evolutionary Herbalism: “Não é a mente racional que percebe a totalidade, mas o coração intuitivo, que compreende por meio de analogias, similaridades, correspondências e padrões. Enquanto o intelecto divide, o coração percebe a unidade”. Essa perspectiva ilumina a importância de integrar não apenas a mente, mas também as experiências corporais e intuitivas nos processos de cura.
Aproximadamente 80% das fibras do nosso sistema nervoso periférico são aferentes, ou seja, responsáveis por levar informações sensoriais do corpo para o cérebro e para o sistema nervoso central.
Esse fluxo de informações inclui estímulos como temperatura, dor, toque, posição corporal e sinais internos dos órgãos. Sabe quando sentimos aquele “frio na barriga”, para depois percebermos que estamos com medo? Esse é o nosso cérebro primitivo e é nele que o trauma se organiza e fica armazenado. Dentro dessa dinâmica aferente, o nervo vago desempenha um papel fundamental, já que é ele quem inerva as vísceras e compõem nosso sistema parassimpático dorsal, o tal “parassimpático velho”, que tem sua origem no intestino e se conecta ao sistema nervoso central.
Dentro dessa dinâmica do nosso sistema nervoso, as experiências traumáticas e estressantes, frequentemente, não ganham sucesso no tratamento puramente interpretativo ou baseado somente no briefing psicoterapêutico. O trabalho de regulação se amplia ao começarmos com as respostas corporais, ao trabalharmos com o nervo vago e seu sistema aferente, ao acessarmos nossas respostas intuitivas e mais primitivas.
A cura, nesse contexto, emerge de baixo para cima, como uma árvore que se enraíza na terra antes de crescer em direção ao céu.
O conceito de “biognosis” — conhecer a vida através das faculdades intuitivas e espirituais — oferece um paralelo interessante para esse processo. Podemos imaginar o corpo como esse lugar. O corpo é ao mesmo tempo continente e conteúdo, um reflexo da natureza, do território e do selvagem. Nosso corpo é o próprio conhecimento acumulado. “Há mais em mim do que as histórias que eu lembro ou conto para mim”.
_ As memórias do corpo e a Experiência Somática
A Experiência Somática vai trabalhar com as dinâmicas aferentes do sistema nervoso - de baixo para cima - e com as memórias do corpo. É através das memórias implícitas e das sensações corporais que vamos encontrando os caminhos para restabelecer a autorregulação do sistema nervoso. Durante intervenções somáticas, muitas vezes é possível completar respostas de luta e fuga interrompidas, desacoplar o medo ou sair de estados de congelamento. Todos esses processos abrem espaço para a curiosidade, que, por sua vez, facilita a exploração de outras sensações e memórias. Peter Levine chama esse movimento de “pendulação” — um vaivém entre abrir e fechar que permite a expansão gradual do indivíduo. Essa dinâmica é essencial para a integração de experiências traumáticas.
_ Autonomia e individualidade
A autonomia e o reconhecimento da individualidade são dois dos maiores tesouros da Experiência Somática. Apesar da riqueza dessas abordagens é importante reconhecer que nem todas as técnicas funcionam para todas as pessoas. Estudos mostram que forçar indivíduos a expressarem sentimentos pode, na verdade, aumentar o risco de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A chave está em respeitar a singularidade de cada indivíduo e o seu ritmo. Cada ser humano possui um sistema nervoso único, com formas próprias de funcionar e se adaptar. O que funciona para uma pessoa hoje pode não ser eficaz amanhã, e cabe ao corpo indicar esses caminhos de adaptação.
Cada ser é único e merece ter seu espaço e inteireza respeitados. Um exame etimológico do termo “seguro” revela insights e conexões importantes. Sua raiz latina salvus, que significa “ileso, saudável, seguro”, está relacionada ao latim salus, que significa “boa saúde”, e saluber que significa “saudável”. Além disso, todas estas palavras partilham uma ligação ancestral com a raiz sol, da língua ancestral protoindo-europeia, que significa “todo”, e pensa-se que estão ligadas, entre outras palavras, ao sânscrito sarvah, que significa “ileso, intacto, inteiro”, e o grego holos, que significa “todo”. Portanto, uma sensação de segurança refere-se não apenas a uma experiência de ausência de perigo ou de ausência de lesões, mas também a um estado de saúde e a uma sensação de totalidade.
Ao tomarmos consciência do nosso próprio corpo, tomamos consciência de que cada corpo é único e possui sua própria expressão corporal. A experiência somática é um processo que não apenas promove a "cura" individual, mas também fortalece nossa conexão com o mundo natural, proporcionando um caminho autêntico e integrado para a totalidade do viver.


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