Resgatando nossa Inteireza através da Experiência Somática
- Karina Copetti

- 17 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de out.
O Corpo como Ancião
O trauma é uma fragmentação do nosso ser. É como se pedaços de nós congelassem, se perdessem ou rompessem. Nesse estado fragmentado, perdemos o contato com a sabedoria intrínseca do nosso corpo – como ele conversa conosco e traduz nossa dinâmica psíquica.
Meu trabalho com a Experiência Somática é uma jornada de retorno a essa conexão. Ele está profundamente enraizado na presença viva da Natureza e de nossa corporalidade mamífera. Através da observação e do convívio com o mundo natural, encontrei a fé na sabedoria intrínseca da vida. Essa confiança me conduziu ao entendimento de que nosso corpo, como sendo Natureza, possui caminhos instintivos e ancestrais de preservação e regulação. Nosso corpo é nosso lugar de origem, nossa língua-mãe. Ele é um ancião, guardião de um legado que carrega em seu DNA a memória de todas as mortes e vidas que vieram antes de nós, fruto de milhões de anos de evolução.
Corpo e Mente: A Falsa Dicotomia
Como afirma Antônio Damásio, “a construção da consciência ocorre através da incorporação de percepções sensório-motoras organizadas em imagens representacionais.” Sejam imagens externas, ou internas. Só nos tornamos conscientes do que, em algum momento, foi percebido, foi sentido. Por isso, o resgate do corpo começa com o relembrar de que somos corpo-natureza e de que somos mamíferos.
Nossa corporalidade é parte da corporalidade do mundo. Ao ouvir as sensações do corpo, podemos nos perguntar: o que esta sensação está me dizendo? É nessa dimensão instintiva, nos sistemas mais primitivos do cérebro – o cérebro reptiliano e o límbico – que o estresse e o trauma se organizam. Portanto, são esses os lugares que precisamos aprender a escutar, os lugares onde o corpo guarda as chaves da regulação e do bem-estar.
No entanto, essa visão integrada tem sido historicamente ignorada. Durante o Renascimento, René Descartes introduziu um modelo reducionista que moldaria a ciência moderna, vendo o Universo – e o corpo humano! – como uma máquina. Para ele, a natureza era inanimada e sem alma. Esse pensamento fragmentado desconectou o ser humano de si mesmo, reduzindo a vida a uma equação matemática. A famosa frase de Descartes, “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”), estabeleceu o pensamento como medida do valor humano, colocando a mente em oposição ao corpo. Essa visão ainda molda nossas vidas hoje, criando uma dicotomia entre pensar e sentir. A supremacia da mente muitas vezes silencia a linguagem do corpo, reforçando a ideia de que as palavras têm mais valor do que as sensações. Pela primeira vez na história, Descartes atrelou o valor de uma pessoa ao pensamento. Quanto mais alguma coisa ou pessoa pensa, mais valor ela tem. E assim no oposto, quando menos alguma coisa ou pessoa pensa, menos valor ela tem.
Stephen Buhner, em seu trabalho, nos alerta para as consequências desse paradigma. Quando aceitamos que tudo faz parte de uma máquina – incluindo nós mesmos – nos desconectamos do significado essencial da vida. Esse pensamento gera um desespero existencial, uma sensação de isolamento.Uma vez que o universo é visto como uma máquina, e não vivo, nós como seres humanos nos isolamos. Nós nos tornamos apenas “passageiros em uma bola de pedra semi fundida arremessada no universo” (BUHNER, 2002, p. 51).
Esse paradigma também influencia a medicina moderna, que muitas vezes trata o ser humano em pedaços, ignorando a tapeçaria inseparável que une corpo e mente. Os sintomas físicos, assim como os sinais emocionais, fazem parte de uma dinâmica única que só pode ser compreendida como um todo.
Reconexão: O Corpo como Caminho para a Inteireza
Resgatar a sabedoria do corpo é resgatar nossa própria inteireza. É lembrar que não estamos desconectados do mundo ao nosso redor – somos parte da natureza, e ela vive em nós. Ao honrar nosso corpo como um ancião, portador de sabedoria ancestral, abrimos espaço para a cura e para uma vida mais plena e integrada.
Aqui fica o convite para o trabalho com a Experiência Somática. Um caminho para ouvir, sentir e se reconectar com o corpo como nosso maior guia, um retorno à nossa origem como seres humanos vivos e inteiros.


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